Valério Olgiati - SIA 9 (seminário internacional de arquitectura)
Conferência de Valério Olgiati
“Foi um projecto para um concurso que ganhámos. O projecto tinha de ter o tamanho da Tate Modern Museum. A cidade de Perm fica a este de Moscovo, e tem cerca de 3.000.000 habitantes. Nós propusemos um edifício em que as funções estivessem empilhadas, e acabei por chegar a uma solução em que o edifício tem uma grande escala. E aqui os problemas acabam por ser os acessos a cada uma das funções. Quando nós temos projectos de grandes dimensões, se as funções ficarem dispostas na horizontal, as pessoas terão de atravessar ruas, por isso é mais fácil se as pusermos todas umas por cima das outras, ordenadas na vertical, e assim podemos ter elevadores, escadas, rampas, podemos ter vários tipos de acessos na vertical para deslocamento de pessoas.
Estando os pisos empilhados, eles têm a área que têm dependendo da função, por exemplo a zona de exposições tem uma área mais extensa em comparação com o restaurante e não procurámos esconder a dimensão que estes blocos/pisos têm, deixámos se-los aquilo que eles são, e não olhar para uma forma exterior.
A entrada fica próxima da zona de eventos e do auditório. Subimos e podemos entrar nas escadas para ir ter à zona de exposições, ou o elevador para as zonas mais acima. A estrutura do edifício é como a de uma árvore. É composta por tubos de metal ao centro (em planta) e uma estrutura a meio, com uma área de 60 por 60 metros. A fachada é composta por elementos em betão, com a forma de uma parábola, no sentido das forças estruturais, o que dá entradas de luz interessantes (ver imagens). Esta estereotomia foi desenhada apenas a pensar na estrutura, mas o resultado final dá uma configuração tão bela que se pode dizer que têm uma ‘configuração metafísica’, que resulta como formalidade.”
“A revista 2G tem uma parte chamada ‘Nexus’, em que cada arquitecto escreve ou mostra algo pessoal, e eu decidi mostrar apenas imagens. Iconografia refere-se a ícones que eu importei para a ‘minha arquitectura’, quer atmosfericamente, geometricamente, estruturalmente, ou até contextualmente. São ícones que eu tenho sempre em mente quando penso sobre algum projecto. É o meu universo, em que explica o que eu quero fazer.
E assim, esta minha biografia iconográfica tenta mostrar o conflito entre o programa e o individualismo, ou a ideia intelectual e a pura emoção. Por isso estas imagens têm sempre os dois lados. Para mim elas são claras, mas não as podemos definir realmente, é só aquilo que tiramos delas ao observa-las.
E também, por outro lado, eu acredito que nós não somos génios, portanto não devemos começar a desenhar fora ‘da nossa barriga’, ou fora daquilo que sabemos fazer ou concretizar. Assim temos a possibilidade de quebrar com as nossas barreiras, as nossas regras, as nossas tradições, temos de destruir a nossa própria história para sermos melhores.
Sermos apenas emocionais e um pouco pragmáticos, não nos torna melhores, somos apenas bons. E depois, muitos arquitectos começam a ser moralistas… Tenho amigos que se iniciaram na arquitectura e que estavam muito entusiasmados acerca do que faziam, mas mais tarde alguns deles deixaram de acreditar na arquitectura, porque deixaram de poder… Eles achavam que não fazia sentido fazer só arquitectura que fosse pura, por exemplo. E assim começaram a faze-la em sentidos muito sociais, dando-lhe outros valores, e muitos deles tornaram-se ‘trabalhadores sociais’, exagerando um bocado no termo, para encontrar um sentido na vida.
O meu sentido na vida /arquitectura é fazer aquilo que me vem à cabeça, e não cingir-me à sociedade. É uma coisa muito provocativa, mas eu quero deixar isso bem claro.”
A (des)contextualização da arquitectura
“É possível fazer uma arquitectura contextualizada, mas eu acredito que é possivel realizar arquitectura descontextualizada. Hoje em dia (não sei se isto acontece em Portugal), na Suiça e na parte norte da Europa, provavelmente na Inglaterra, é uma questão moral fazer arquitectura contextualizada. Parece que, se não a fizermos dentro do contexto (do lugar), parece que moralmente não estamos a agir correctamente. As igrejas, por exemplo: as igrejas romanas não foram construídas segundo nenhum contexto topográfico, ou outro, são ideias. O mesmo acontece nos templos. Os templos não poderiam ser templos se estes fossem contextualizados. Então, numa democratização da nossa sociedade, a ideia de que a arquitectura tem de ter um contexto, é uma ideia que tem vindo a destruir o seu significado. Os arquitectos já não podem construir templos, e eu acho isso terrível! Porque não?
Eu acho que o arquitecto não deve ser um empregado, ou mesmo uma pessoa que serve alguém, ou que faz um serviço a um cliente. Eu acho que um arquitecto deve ser um filósofo que faz as suas próprias teses. Mas eu sei que há arquitectos que estão condenados a ser colaboradores, por isso acho que por vezes não fazem um bom trabalho. Eu acho que isso não é bom…
Na minha opinião, é importante que as pessoas possam fazer arquitectura sem um contexto. Por exemplo, as pessoas acham que por eu vir da Suiça, e vivo nas montanhas, faço arquitectura topográfica, com ornamentos artesanais, e outros, mas isso é um mal-entendido. Às vezes faço, outras vezes não. Na casa vermelha, com a claraboia redonda, é totalmente descontextualizado. Poderia ter um contexto, mas eu não lhe atribuí uma forma, ela já existia. Não foi uma reacção, eu tinha de a fazer assim, foi imposto. Até mesmo a cor encarnada, essa ornamentação encaixa-se nesse meio rural. Em Londres construiria outra coisa. Em Portugal talvez construísse algo rural… Não em Lisboa!”
Valério Olgiati 04/09/2008
Na conferência dada, durante este seminário internacional, por Valério Olgiati, o arquitecto fala-nos um pouco das suas obras, entre as quais “House for a musician, Scharans” e “Perm Museum XXI, Rússia”, e também das suas referências privadas, imagens de referência para arquitectura - uma Biografia Iconografica.
House for a Musician, Scharans
“O cliente era um músico que tinha uma quinta, e ele não sabia bem o que fazer com ela. Parte dela foi demolida. Mais tarde o músico decidiu fazer dela uma casa para um estúdio, só com uma sala, um só espaço.
Tentamos com a comunidade do local, durante 4 anos, pedir permissão para construir, e como nunca a conseguimos, tivemos de falar com um advogado, para reunir a comunidade e discutir o assunto. Depois dessa reunião, foi acordado que a construção deveria ter o mesmo volume que o edificado anterior da quinta, nem mais nem menos. Mas o problema era que o cliente não tinha dinheiro suficiente para construir o volume inteiro, e nós não podíamos faze-lo mais pequeno.
Tentamos com a comunidade do local, durante 4 anos, pedir permissão para construir, e como nunca a conseguimos, tivemos de falar com um advogado, para reunir a comunidade e discutir o assunto. Depois dessa reunião, foi acordado que a construção deveria ter o mesmo volume que o edificado anterior da quinta, nem mais nem menos. Mas o problema era que o cliente não tinha dinheiro suficiente para construir o volume inteiro, e nós não podíamos faze-lo mais pequeno.
Por isso a solução foi criar um espaço fechado único, na parte mais baixa do tecto, e o resto é um espaço livre privado, com um relvado- um pátio. Esse espaço é encimado por um ‘buraco’ (clarabóia) em elipse. Todo o edifício é revestido por betão vermelho. O espaço interior é um estúdio onde o músico compõe, por isso as paredes são compostas por duas paredes de betão com uma caixa de ar entre elas, para isolar melhor acusticamente. No canto da sala existe uma lareira, uma porta que dá para a casa de banho, e um espaço para cozinhar. No piso inferior é onde está situada a garagem, com arrumos, e uma escada que dá acesso ao pátio.
No revestimento exterior e interior, a cofragem foi feita com placas de madeira de 2 metros de altura, e é o que nos dá a configuração à textura das paredes. E aí, vemos os ornamentos, que vêm de uma cultura rural, mas que não tem, hoje em dia, nenhum significado. Esses ornamentos foram repetidos, umas vezes maiores, outras vezes mais pequenos, e foram feitos artesanalmente, na cofragem do betão. Foi-nos sugerido faze-los a computador, mas aí não se sentia o material feito por manofactura, não seria tão expontâneo, o detalhe é mais minucioso.O betão vermelho, por sua vez, é formado por betão cinzento normal com pigmentos vermelhos, e pedras vermelhas.
O edifício torna-se uma construção em que só temos uma janela para o pátio do edifício, e todo ele é coberto desde as fundações até ao topo de ornamentos, como se fossem ‘tatuagens’. Mesmo o pátio está rodeado de paredes de betão, e que é aberto apenas no tecto, com o buraco em elipse.
É interessante poder perceber que dentro do pátio estes efeitos de luz e sombra da elipse mudam conforme a hora e o dia, ganhando diferentes formas. Do interior, o material das paredes não muda. É como estarmos num abrigo, em que a única coisa que nos separa do pátio é o vidro. O importante aqui no material, é que ele não foi feito por arquitectos ou académicos, foi feito por camponeses, homens da quinta, o que lhe dá personalidade. E isso não me faz pensar como eles, faz-me transpor a ideia para este edifício, monumental, ate mesmo mais monumental que outros edifícios da aldeia, até mesmo que a igreja.”
Russia – Perm Museum XXI
Russia – Perm Museum XXI
“Foi um projecto para um concurso que ganhámos. O projecto tinha de ter o tamanho da Tate Modern Museum. A cidade de Perm fica a este de Moscovo, e tem cerca de 3.000.000 habitantes. Nós propusemos um edifício em que as funções estivessem empilhadas, e acabei por chegar a uma solução em que o edifício tem uma grande escala. E aqui os problemas acabam por ser os acessos a cada uma das funções. Quando nós temos projectos de grandes dimensões, se as funções ficarem dispostas na horizontal, as pessoas terão de atravessar ruas, por isso é mais fácil se as pusermos todas umas por cima das outras, ordenadas na vertical, e assim podemos ter elevadores, escadas, rampas, podemos ter vários tipos de acessos na vertical para deslocamento de pessoas.
Estando os pisos empilhados, eles têm a área que têm dependendo da função, por exemplo a zona de exposições tem uma área mais extensa em comparação com o restaurante e não procurámos esconder a dimensão que estes blocos/pisos têm, deixámos se-los aquilo que eles são, e não olhar para uma forma exterior.
A entrada fica próxima da zona de eventos e do auditório. Subimos e podemos entrar nas escadas para ir ter à zona de exposições, ou o elevador para as zonas mais acima. A estrutura do edifício é como a de uma árvore. É composta por tubos de metal ao centro (em planta) e uma estrutura a meio, com uma área de 60 por 60 metros. A fachada é composta por elementos em betão, com a forma de uma parábola, no sentido das forças estruturais, o que dá entradas de luz interessantes (ver imagens). Esta estereotomia foi desenhada apenas a pensar na estrutura, mas o resultado final dá uma configuração tão bela que se pode dizer que têm uma ‘configuração metafísica’, que resulta como formalidade.”
Biografia Iconográfica
“A revista 2G tem uma parte chamada ‘Nexus’, em que cada arquitecto escreve ou mostra algo pessoal, e eu decidi mostrar apenas imagens. Iconografia refere-se a ícones que eu importei para a ‘minha arquitectura’, quer atmosfericamente, geometricamente, estruturalmente, ou até contextualmente. São ícones que eu tenho sempre em mente quando penso sobre algum projecto. É o meu universo, em que explica o que eu quero fazer.
Eu fiz a autobiografia para mostrar que a arquitectura está sempre relacionada a um autor, a arquitectura de qualidade. Está sempre relacionada com um autor, não pode ser em equipa. Por exemplo, vamos pensar nos arquitectos mais famosos do mundo. A sociedade celebra-os, eu não estou a dizer se eles são mesmo bons ou maus, mas a sociedade escolhe-os, vamos dizer, ‘os 20 arquitectos mais famosos do mundo’. É sempre só uma pessoa. Não é mais do que isso, duas ou três numa equipa, com muito poucas excepções. Eu penso que cada um produz algo através da introspecção pessoal, e não fazendo algo pragmático inserido num programa. Quero dizer, se fizermos da arquitectura um programa, ela fica bastante chata, é só uma mera avaliação do existente. Há arquitectos que são tão ‘malucos’ que nós não percebemos o que eles fazem, como o Frank Gehry. Não que eu queira dizer que ele tenha essa intenção, ou até que ele não percebe o que faz. Porque a sua arquitectura não é feita só da sua forma. Ele fa-lo por alguma razão, a arquitectura está ligada ao seu autor, por isso não faz sentido copia-lo, porque há um pensamento por trás dessa forma.
E assim, esta minha biografia iconográfica tenta mostrar o conflito entre o programa e o individualismo, ou a ideia intelectual e a pura emoção. Por isso estas imagens têm sempre os dois lados. Para mim elas são claras, mas não as podemos definir realmente, é só aquilo que tiramos delas ao observa-las.
E também, por outro lado, eu acredito que nós não somos génios, portanto não devemos começar a desenhar fora ‘da nossa barriga’, ou fora daquilo que sabemos fazer ou concretizar. Assim temos a possibilidade de quebrar com as nossas barreiras, as nossas regras, as nossas tradições, temos de destruir a nossa própria história para sermos melhores.
Sermos apenas emocionais e um pouco pragmáticos, não nos torna melhores, somos apenas bons. E depois, muitos arquitectos começam a ser moralistas… Tenho amigos que se iniciaram na arquitectura e que estavam muito entusiasmados acerca do que faziam, mas mais tarde alguns deles deixaram de acreditar na arquitectura, porque deixaram de poder… Eles achavam que não fazia sentido fazer só arquitectura que fosse pura, por exemplo. E assim começaram a faze-la em sentidos muito sociais, dando-lhe outros valores, e muitos deles tornaram-se ‘trabalhadores sociais’, exagerando um bocado no termo, para encontrar um sentido na vida.
O meu sentido na vida /arquitectura é fazer aquilo que me vem à cabeça, e não cingir-me à sociedade. É uma coisa muito provocativa, mas eu quero deixar isso bem claro.”
A (des)contextualização da arquitectura
“É possível fazer uma arquitectura contextualizada, mas eu acredito que é possivel realizar arquitectura descontextualizada. Hoje em dia (não sei se isto acontece em Portugal), na Suiça e na parte norte da Europa, provavelmente na Inglaterra, é uma questão moral fazer arquitectura contextualizada. Parece que, se não a fizermos dentro do contexto (do lugar), parece que moralmente não estamos a agir correctamente. As igrejas, por exemplo: as igrejas romanas não foram construídas segundo nenhum contexto topográfico, ou outro, são ideias. O mesmo acontece nos templos. Os templos não poderiam ser templos se estes fossem contextualizados. Então, numa democratização da nossa sociedade, a ideia de que a arquitectura tem de ter um contexto, é uma ideia que tem vindo a destruir o seu significado. Os arquitectos já não podem construir templos, e eu acho isso terrível! Porque não?
Eu acho que o arquitecto não deve ser um empregado, ou mesmo uma pessoa que serve alguém, ou que faz um serviço a um cliente. Eu acho que um arquitecto deve ser um filósofo que faz as suas próprias teses. Mas eu sei que há arquitectos que estão condenados a ser colaboradores, por isso acho que por vezes não fazem um bom trabalho. Eu acho que isso não é bom…
Na minha opinião, é importante que as pessoas possam fazer arquitectura sem um contexto. Por exemplo, as pessoas acham que por eu vir da Suiça, e vivo nas montanhas, faço arquitectura topográfica, com ornamentos artesanais, e outros, mas isso é um mal-entendido. Às vezes faço, outras vezes não. Na casa vermelha, com a claraboia redonda, é totalmente descontextualizado. Poderia ter um contexto, mas eu não lhe atribuí uma forma, ela já existia. Não foi uma reacção, eu tinha de a fazer assim, foi imposto. Até mesmo a cor encarnada, essa ornamentação encaixa-se nesse meio rural. Em Londres construiria outra coisa. Em Portugal talvez construísse algo rural… Não em Lisboa!”
Valério Olgiati 04/09/2008
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